No primeiro trimestre de 2023 a economia dos EUA cresceu à taxa anualizada real de 1.1%, segundo dados preliminares. É uma desaceleração brusca: menos da metade do ritmo de três meses antes (2.6%) e quase um terço do do terceiro trimestre de 2022 (3.2%). Quanto ainda pode piorar a atividade econômica? Infelizmente, estudos recentes sobre efeitos de choques monetários sugerem fortemente que a América sequer chegou à metade do descenso.
A investigação das transcrições de reuniões do Federal Reserve de formulação de políticas pode identificar mudanças significativas, contracionistas ou expansionistas, e seus efeitos sobre indicadores macroeconômicos chave.1 Em julho de 2022 o Fed abandonou sua abordagem gradualista em favor de aperto monetário mais agressivo para reduzir a inflação. O pico da resposta do crescimento real do PIB a tal choque contracionista ocorre cerca de nove trimestres, ou seja, pouco mais de dois anos, depois. Isto posto e três trimestres após o ponto de inflexão, a economia dos EUA está se comportando exatamente de acordo com tais prognósticos e provavelmente desacelerará mais até a segunda metade de 2024.
De modo algum os preços de ativos e a mediana das projeções dos analistas anteveem tal cenário. Na melhor das hipóteses, antecipam uma aterrisagem suave e breve.2 Não obstante, ocorreram algumas importantes correções de rota. As estimativas de taxa de câmbio real efetiva (TCRE) do BIS – Banco de Compensações Internacionais – mostram que o dólar dos EUA se depreciou em 6% desde seu último pico em outubro de 2022 (Gráfico I). Mas ele ainda está 14% acima do seu equilíbrio de paridade de poder de compra (PPP) de longo prazo, o que sugere substancial enfraquecimento à frente. Em compensação, a cesta com as TCREs ponderadas pelos PIBs das cinco maiores economias latino-americanas exceto Argentina e Venezuela – Brasil, México, Colômbia, Chile e Peru – apreciou 15% desde seu mínimo recente em dezembro de 2021. Porque este combo ainda está 10% abaixo de seu equilíbrio de PPP, há espaço significativo para mais fortalecimento dessas moedas.
Com demasiada presteza a sabedoria convencional trata oscilações cambiais na América Latina como produto de mudanças nos preços de commodities. De fato, estes estão 3% acima de sua média histórica de 10 anos, porém 32% abaixo de seu pico recente, em agosto do ano passado (Gráfico II). Os termos de troca – preços de exportação menos os de importação – provêm indicador bem menos volátil e estão 4.6% acima de sua média móvel de 10 anos, conquanto apenas 6.4% abaixo de seu último pico, em maio de 2021. A demanda global por produtos primários tem um papel, portanto, na apreciação recente das principais moedas latino-americanas, mas não é o fator principal. Um ângulo mais revelador sobre a importância relativa das commodities para diferentes economias é usar a metodologia de contas nacionais para calcular uma proxy de sua participação no PIB. Pelo lado da demanda, o que conta é o volume de exportações líquidas e esta métrica mostra que, entre as unidades regionais do Banco Mundial, os 5 Grandes da América Latina têm a menor exposição entre os ofertantes globais de produtos primários, substancialmente menor que a de Oriente Médio & Norte da África ou África Subsaariana (Gráfico III). Logo, deve haver outros fatores por detrás desta reavaliação cambial.
Por um lado, a América Latina está recebendo forte influxo de capitais que não é estritamente relacionado a commodities. No caso da maior economia da região, Brasil, o investimento estrangeiro direto (IED) líquido disparou desde que o real bateu em um mínimo em dezembro de 2021: de US$46.4 bilhões em 12 meses para US$91.5 bilhões um ano depois. Desafiando o saber convencional, a maior parcela desses recursos, 26%, segundo o último censo de investimentos por não-residentes, é canalizado para serviços, que são bens não comercializáveis. Agricultura, pecuária, mineração, óleo & gás respondem por 20% do total. Os 54% restantes vão para uma miríade de atividades como varejo, alimentos, comunicações, tecnologia & informação, etc. Quanto ao México, a segunda maior economia, há considerações geopolíticas estimulando projetos transnacionais de near ou friend-shoring. Contudo, o fenômeno mais marcante é o ininterrupto crescimento das transferências unilaterais. Em 2022, os mexicanos trabalhando no exterior enviaram US$58.5 bilhões ao seu país, mais que duas vezes e meia o montante de IDE líquido (US$22.4 bilhões).
Por outro, há vultosas alterações de portfólio que resultam do amplo hiato de políticas econômicas entre América Latina e os EUA, além de outras nações mais ricas. Apesar de todo o ruído político latino-americano, bancos centrais independentes lograram elevar fortemente o juro primário para combater a escalada inflacionária, eis que havia espaço fiscal para implementar aperto monetário mais agressivo e o peso do endividamento sobre as economias era relativamente menor, o que evitou estresse no sistema financeiro, nos mercado imobiliários, e assim por diante. Ademais, a variação anual dos IPCs atingiu um pico em abril do ano passado no Brasil, em junho no Peru, em agosto no Chile, em setembro no México e podem começar a cair na Colômbia. Como resultado, as taxas reais de juro de curto prazo saltaram (Gráfico IV) e o spread sobre os países do G7 é quase o dobro da média dos últimos 20 anos (750 pbs versus 400 pbs, respectivamente). Neste contexto, as oportunidades de arbitragem se tornaram particularmente atraentes e a construção de posições compradas em ativos latino-americanos também tem ajudado a fortalecer essas moedas.
Devido a uma notável consolidação fiscal, a mais ambiciosa de sua história recente e que ajudou deveras no processo de desinflação, é mais provável que o Chile lidere o pelotão no ciclo de flexibilização monetária. A inédita redução de 26% em gastos ordinários pelo governo de esquerda do Presidente Boric levou a um superávit orçamentário de 1.1% do PIB em 2022 (houve déficit de 7.7% do PIB em 2021). Com isto, os mercados futuros agora anteveem o juro básico em 8 ¼% a.a. no fim do ano, 300 pbs abaixo do seu nível atual.
1 Para uma referência recente, ver “Does Monetary Policy Matter? The Narrative Approach after 35 years” by Romer, C.D. and Romer, D.H., NBER Working Paper 31170, abril 2023.
2 Ver, por exemplo, “How The ‘Most Anticipated Recession’ Is Still Unanticipated” by Joshi, D. in BCA Research – Counterpoint, datado 15-mar-23.
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Autor: Luís Fernando E. Lopes, Partner, Chief Economist Officer