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Maiores riscos geopolíticos: sinal versus ruído

22 de fevereiro de 2024

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Saiu a mais recente edição do Anuário de Conflito Armado. Segundo o Instituto Internacional para Estudos Estratégicos (IIEE), a organização que publica essa conceituada referência, o número de vítimas e incidentes frente ao ano anterior cresceu 14% e 28%, respectivamente.1 Em números absolutos, houve 183 conflitos, a maior contagem em três décadas. Mas isso não é tudo.

Porque o período analisado pela publicação foi de 1o de maio de 2022 a 30 de junho de 2023, não considerou a guerra entre Israel e militantes palestinos (notadamente o Hamas) que eclodiu principalmente em torno da Faixa de Gaza desde outubro do ano passado. Tampouco contabilizou os ataques dos Houthis a navios no Mar Vermelho e Oceano Índico, os quais começaram no mesmo mês e levaram à Operação Guardião da Prosperidade, uma retaliação liderada pelos EUA, que até agora combina esforços militares de 20 nações aliadas. O panorama geopolítico global é, portanto, ainda mais sombrio que o reportado pelo IIEE.

Conflitos armados entre entes soberanos, por exemplo a Rússia invadindo a Ucrânia, são guerra convencional. A complexidade das guerras modernas resulta, em grande parte, do papel-chave assumido por cada vez mais fortes e prolíficos grupos armados não-governamentais (GANGs), tais como o Hamas e os Houthis, mas também os rebeldes do M23 na República Democrática do Congo, o Front de Salvação Nacional no Sudão do Sul, e centenas de organizações similares. De acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, há no mundo nada menos que 459 GANGs ativos que oferecem risco humanitário. Devido às suas ações desestabilizadoras, aumentou a duração média das hostilidades nas últimas três décadas, junto com a internacionalização do que outrossim seriam conflagrações domésticas. Em termos de distribuição geográfica, as regiões mais belicosas em meados de 2023 eram Europa (Oriental), Oriente Médio e África (Gráfico I).

Fatias pequenas nos cálculos mencionados acima não implicam necessariamente risco geopolítico mínimo. Definida como ameaça, realização ou escalada de eventos extremamente adversos tais como guerras e ataques terroristas, a situação na Ásia parece ser pior que a indicada. Embora não tenha havido ainda mobilização de tropas, Irã e Paquistão terem atacado bases de militantes nos respectivos territórios com drones e mísseis em meados de janeiro não é desdobramento encorajador. De forma similar, os 22 lançamentos de mísseis balísticos e de cruzeiro realizados pela Coreia do Norte em 2023, junto com uma retórica cada vez mais marcial, é sinal infausto para a região. Por fim, em seguida à eleição de um candidato a presidente pró-independência e anti-China, cerca de 67% dos experts nos EUA e 57% dos seus colegas taiwaneses agora esperam uma crise mais séria em 2024 no estreito de Taiwan.2

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Por outro lado, o baixo percentual nas Américas reflete basicamente conflitos provocados por enfrentamentos criminosos, em especial os conexos com tráfico de drogas, nas partes central e sul do continente. O crime ambiental (notadamente extração de madeira, mineração e pecuária ilegais) está em alta, muitas vezes misturando-se com o tráfico de drogas convencional e dando origem a um novo e sinistro termo: “narcoecologia”. E a violência associada a essas atividades é espantosa. A taxa de óbitos em conflitos armados, definidos de forma mais ampla para incluir aqueles sem a mobilização de tropas, foi consideravelmente maior no México do que na Síria, Sudão do Sul e Iêmen, que estão em guerra civil desde 2011, 2013 e 2014, respectivamente (Gráfico II).

Como entender então eventos como a recente ameaça da Venezuela de anexar mais de dois terços da vizinha Guiana, o que geraria grande choque geopolítico? Na América Latina é essencial distinguir sinal de ruído. Por um lado, há o completo desastre que é Maduro, o presidente venezuelano. Desde que tomou posse em 2013 o PIB reduziu-se em três quartos, de estimados US$373 bilhões para US$92 bilhões, devido a hiperinflação (taxa anual composta de aumento dos preços ao consumidor de quase 900%) e desordem econômica. O governo tinha feito acordo com partidos de oposição para realizar eleições livres e limpas em 2024, o que levou ao relaxamento das restrições impostas ao país pelos EUA. Em uma manobra eleitoral para aliciar apoio popular, Maduro convocou plebiscito para chancelar sua demanda de absorver a região guianesa de Essequibo. Ocorre que o comparecimento às urnas foi extremamente baixo e ficou claro que as forças armadas de nenhuma das nações têm capacidade de atravessar terras altas, densas florestas e pântanos, que constituiriam o teatro de operações militares. Sem mais para esse ruído.

Por outro, o referendo fajuto trouxe à luz um fato pouco conhecido. Desde 2015 a Guiana descobriu e explora mais de 12 bilhões de barris de petróleo-equivalentes (bpe) em reservas off-shore, com potencial de alcançar 25 bilhões de bpe, a maior descoberta recente no mundo. Em vista do forte interesse de empresas multinacionais de energia, o governo leiloou 14 blocos de exploração, colocando então o país na condição de potencial líder na produção de petróleo (Gráfico III). Muito impressionantes são as consequências econômicas até o momento: a taxa média de crescimento real anual do PIB do país nos últimos quatro anos foi de 41%. Não surpreende que vizinhos pacíficos estejam realizando diversos projetos de investimento para se beneficiar dessa bonança, em particular Suriname e Brasil. Quanto a este, cabe notar que tal movimentação reforça a percepção de que a maior nação latino-americana logrou se posicionar como um dos mais confiáveis fornecedores globais de commodities estratégicas. A despeito de termos de troca instáveis e do crescimento global menor, mas por causa do maior risco geopolítico alhures, seu superávit comercial quase que dobrou desde 2020 (Gráfico IV), na medida que as exportações brasileiras ganharam mercado em cima de competidores em pior situação. E isso é um sinal-chave.

1 Tropas mobilizadas em conflitos afetando países (unilateralmente, como parte de uma coalizão ou sob a égide de organização internacional, exclusive desdobramentos não relacionados a conflitos https://www.iiss.org/en/publications/armed-conflict-survey/.

2 “Surveying the Experts: U.S. and Taiwan Views on China’s Approach to Taiwan in 2024 and Beyond”, China Power Project at the Center for Strategic & International Studies, 22-Jan-24.

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